O luto dos profissionais de cuidados paliativos

24/10/2024

O impacto emocional no trabalho

Quando se trabalha com pessoas e sentimentos, nunca estaremos alheios a isso, por mais que o profissional seja ético, competente, responsável e profissional, por trás do jaleco existe alguém que, de alguma forma, irá ser impactado por aquela vivência do paciente, diante disso, é importante compreender, respeitar e avaliar o impacto emocional que um paciente pode ter na nossa vivência pessoal e profissional.

O impacto do trabalho oncológico com foco na “boa morte”, conforme o jargão dos cuidados paliativos, é um processo de tratamento muito intenso para todas as pessoas envolvidas. Faz-se necessário um discernimento importante para garantir lucidez e sedação paliativa, quando há a necessidade de se inserir o uso de opioides para diminuição da dor.

Para além disso, e talvez o grande desafio, o processo de lidar com a finitude da vida é um desafio importante na sociedade ocidental, visto que a cultura nos afasta da ideia de finitude da vida e é capaz de tornar esse processo muito mais solitário, conforme aponta Norbert Elias, no livro “A Solidão dos Moribundos”.

Diante da falta de costume com esse processo e da falta de abertura para o diálogo, muitas vezes o profissional pode não encontrar no seu ambiente de trabalho um bom espaço para lidar com os próprios sentimentos, diante de um trabalho que coloca os profissionais frente a frente com os maiores dilemas da vida, o que gera um impacto emocional com dimensões que podem não ser benéficas, se não tiverem a sua devida atenção.

Em outro aspecto importante, é necessário ressaltar a carga emocional que os profissionais de cuidados paliativos oncológicos possuem, desde o cuidado com os sintomas e com a progressão da doença do paciente, assim como a carga emocional da família e a forma de lidar com a doença.

Um estudo fenomenológico realizado pela Fundação Oswaldo Cruz   buscou analisar, diante da entrevista com diferentes grupos de profissionais de cuidados paliativos oncológicos, quais são os maiores desafios na área, onde os profissionais puderam relatar as situações mais difíceis vivenciadas nesses espaços. A situação relatada como mais difícil foi o processo de identificação com o paciente, seja com algum familiar ou seja consigo mesmo, esse processo garante uma carga emocional muito maior para o cuidado, o que gera também um impacto muito mais significativo diante da sua perda.

Outras muitas situações foram pontuadas como difíceis, em que a segunda mais difícil foi a de binômio mãe-filho, quando a mãe perde um filho pequeno ou vice-versa, pois como já foi referido anteriormente, a cultura ocidental não tem uma boa aceitação do processo natural da finitude da vida, em especial quando esse processo não se dá de acordo com a “natureza” do fim, em que um ciclo se interrompe de forma precoce, o que é capaz de gerar na equipe profissional um maior impacto emocional ao vivenciar o processo de sofrimento e luto antecipatório da rede de apoio do paciente.

O vínculo gerado com o paciente, não apenas em cuidados paliativos, mas em todas as áreas da saúde, não deveria significar o afastamento ou a despersonalização, visto que ao longo da história já ficou mais do que evidente o quanto esse processo se torna cruel, mas é importante que os profissionais de saúde tenham consciência de que um processos de vínculo, mesmo que profissional, é um processo de desafios emocionais que devem ser vistos com sensibilidade, a fim de garantir a preservação da saúde mental de quem trabalha diariamente com essa carga.

A singularidade do luto profissional

Perdoe-nos se o título parece um pouco redundante, afinal, todo luto é singular, toda e qualquer experiência emocional é singular, mas neste contexto cabe ressaltar sim, a singularidade. O luto de um familiar é muito intenso, envolve diversas camadas de vínculo afetivo, trajetória de vida, emoções guardadas, diferente do luto profissional.

O luto profissional envolve dimensões ligadas à prática profissional como: será que eu fui o melhor profissional que eu poderia ser? Será que me faltou estudar sobre outras formas de auxiliar o meu paciente? O que mais eu poderia ter feito ou o que eu poderia ter feito de diferente para prolongar a vida do paciente ou para lhe proporcionar mais conforto?

O luto profissional é capaz de carregar muita culpa e responsabilização pela finitude da vida de um paciente, diante das inúmeras possibilidades criadas por ele para tentar justificar o injustificável: a finitude da vida é a única certeza para todos.

Ainda no mesmo estudo citado anteriormente, algumas das situações mais difíceis relatadas pelos profissional, no aspecto técnico do cuidado, foram: medicamentos sem efeito; divergência de conduta; violência contra a equipe; tentativa de suicídio do paciente. Todos esses relatos demonstram o quanto a carga emocional vivida pelo paciente é desafiadora para os profissionais de cuidados paliativos, na busca incessante em oferecer maior conforto, comodidade e qualidade de vida.

Além disso, existem dois tipos de luto: o luto antecipado e o luto acumulativo, são dois tipos de experiências emocionais que os profissionais de saúde podem enfrentar ao trabalhar com pacientes em cuidados paliativos, e cada um deles tem características específicas.

Luto Antecipado

O luto antecipado ocorre quando o profissional de saúde começa a experimentar sentimento de perda antes da morte real do paciente. Isso acontece porque, nos cuidados paliativos, muitas vezes os profissionais estão cientes de que o paciente está em fase terminal e que a morte é inevitável.

À medida que a condição do paciente se agrava, os profissionais podem começar a processar emocionalmente a perda que está por vir. Esse tipo de luto pode envolver: sentimentos de tristeza e impotência ao observar o sofrimento do paciente; reflexões sobre a relação construída com o paciente e o impacto emocional de sua morte iminente; preparação emocional consciente para o momento da perda, especialmente em casos em que há uma forte conexão entre o profissional e o paciente ou quando o processo de morte é longo.

Embora o luto antecipado possa ajudar a reduzir o choque emocional quando a morte ocorre, ele ainda pode ser bastante desgastante. O profissional de saúde vivencia, de certa forma, o luto em etapas, antes mesmo do falecimento, o que pode gerar estresse contínuo e prolongado.

Luto Acumulativo

O luto acumulativo, por outro lado, ocorre quando o profissional de saúde experimenta múltiplas perdas em um curto período de tempo, sem ter tempo suficiente para processar adequadamente cada uma delas. Nos cuidados paliativos, onde a morte é uma parte constante do trabalho, é comum que os profissionais lidem com vários pacientes falecendo em sequência, ou ao mesmo tempo.

Esse tipo de luto pode levar a um desgaste emocional progressivo, à medida que o profissional se vê sobrecarregado por múltiplas perdas. Ele pode: sentir-se emocionalmente sobrecarregado, como se uma perda se somasse à outra, sem tempo para recuperação; desenvolver mecanismos de defesa emocional, como distanciamento ou insensibilidade, para lidar com o peso emocional contínuo; perder o senso de significado no trabalho, uma vez que o luto constante pode criar uma sensação de impotência e exaustão.

O luto acumulativo é perigoso porque, se não for reconhecido e tratado, pode contribuir para o burnout, levando a sintomas de esgotamento físico e mental, diminuição da empatia e até a desistência da profissão.

Cuidar de quem cuida é essencial

Os profissionais de saúde, em alguns casos, são os maiores negligentes para com a própria saúde. Devemos ter em mente que para cuidar do outro, precisamos praticar o autocuidado. Aqui no Revitare você encontra uma equipe que oferece suporte e formação constante, a fim de garantir o suporte tanto para os pacientes quanto para os profissionais.

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